Uma revolução está acontecendo no projeto das ruas. Nova Iorque, uma cidade que serve de termômetro para o mundo, fez com que seus cidadãos comuns utilizassem a bicicleta como meio de transporte. Fizeram isso ao reservar uma pista de cada grande avenida apenas aos ciclistas, com barreiras para protegê-los do tráfego.
Agora, centenas de cidades estão se renovando para se adequar às bicicletas, enquanto em Nova Iorque há um sentimento de que mais mudanças estão por vir. Muitos nova-iorquinos prefeririam que sua cidade fosse mais como Copenhague, onde 40% de todos os trajetos são feitos de bicicleta. Mas Copenhague quer ainda mais. Onde isso vai parar?
Se você considerar que estamos falando sobre um meio de transporte que melhora nosso desempenho cardíaco, reúne muito mais pessoas nas ruas do que seria possível em carros, não polui, e custa aos governos e à quem utiliza um valor quase insignificante, você não vai se perguntar onde isso vai parar, mas o que deve ser feito para que todos os trajetos sejam realizados em bicicleta.
O maior índice de referência foi visto na China, onde, até algumas décadas atrás, o ciclismo representava cerca de 80% do meio de transporte em algumas cidades. Mao Zedong pôde conseguir isso através do reforço de uma visão coletiva. Em democracias nós temos que criar atrativos. A maioria, eu sugiro, oriundos da imaginação de arquitetos. Este artigo é ilustrado por uma provocação projetual que desenvolvi junto com Charlotte Morton, em um terreno simbólico de Manhattan. As Residências Frederick Douglas são emblemáticas da tentativa do pós segunda guerra de transformar Nova Iorque em uma cidade para os carros, quando, como sabemos, foi construída como uma cidade para os pedestres.
O terreno pôde ser densificado novamente com mais apartamentos acessados por elevador. Em outras palavras, poderia ser levado ao passado, da era dos carros nos anos de 1960 para a era dos pedestres de 1860. Mas e se pudesse ser levada adiante no tempo? E se pudesse exibir os princípios arquitetônicos que acompanhariam uma era futura do transporte de bicicleta? Abaixo estão dez maneiras de fazer com que isso aconteça.
1. Fazer com que as bicicletas sejam compatíveis com a vida em edifícios
Muitos roubos de bicicleta poderiam ser evitados se percebêssemos que bicicletas não são objetos encardidos. Esse pode ter sido um problema na época dos cavalos, mas nos dias de hoje cadeiras de roda e carrinhos de bebês vão das ruas para dentro das edificações e ninguém se importa. Então por que não levamos nossas bicicletas para dentro também?
Imagine as vantagens para um pai ou uma mãe. Ele ou ela poderia pedalar de dentro de seu apartamento diretamente para o corredor de comida congelada no supermercado. Com uma bicicleta de carga poderia levar seu bebê junto para o passeio e utilizar sua bicicleta como um carrinho de bebê.
Ou e se uma bicicleta de alguém que trabalha em um escritório os acompanhasse como uma pasta? Eles poderiam colocar sua bicicleta em sua mesa de trabalho, então em sua mesa em casa, então na mesa no café onde gostam de ver seus emails. Sua cestinha poderia abrir como parte de um escritório portátil.
2. Fazer com que a bicicleta seja a maneira mais rápida de sair de casa
Nos edifícios de apartamento que possuem rampas de acesso ao solo ou onde um terreno inclinado se ergue para intersectar os planos de galerias de acesso, a maneira mais rápida de chegar ao solo a partir de um apartamento em nível elevado pode ser através da bicicleta. Meu próximo livro, Velotopia, terá ideias para blocos de apartamento que desenvolvem ainda mais essa ideia. Áreas residenciais são projetadas como depósitos de bicicletas, levando o máximo de pessoas para as ruas com suas bicicletas.
3. Proteção contra o tempo
Apesar do que alguns defensores da bicicleta como meio de transporte possam dizer, a chuva impede que muitas pessoas pedalem para o trabalho ou para a escola. Qualquer um que diga que andar de bicicleta deveria ser diferente de dirigir ou pegar um ônibus, por não ter um teto, desfruta de pedalar para o trabalho em qualquer clima. Naturalmente eles resistem aos confortos que fariam com que todos pedalassem.
Ignore sua agenda mesquinha! Como arquitetos, temos de estar focados em proteger os ciclistas do vento, sol escaldante e da chuva, colocando, assim, o ciclismo em pé de igualdade com outros modos de transporte.
4. Esculpir o terreno para controlar a velocidade dos ciclistas
Em qualquer lugar onde as bicicletas devem reduzir sua velocidade, como em cruzamentos ou pontos de maior atividade, os ciclistas podem ser salvos do incômodo de frear se, como projetistas, elevarmos o solo nestes pontos em um ou dois metros. Pessoas em bicicletas reduzirão a velocidade conforme a cota se eleva e recuperarão a velocidade quando a cota voltar a baixar.
5. Fazer as pazes entre as bicicletas e os pedestres
Carros podem ser proibidos em nossas cidades, ou pelo menos em partes delas, mas os ciclistas e os pedestres precisam fazer as pazes. Considere isso: os paralelepípedos ficam muito bem embaixo de pés mas são terríveis para as duas rodas, enquanto uma rua inclinada não é nenhum problema para a bicicleta mas pode causar ao pedestre dores no tornozelo. Agora junte os dois pontos. Também, voltando ao ponto 4, áreas elevadas compartilhadas podem ser ligadas com pontes, deixando às áreas mais baixas para o ciclismo rápido.
6. Apreciar os mapas cognitivos dos ciclistas de suas cidades
Muitos motoristas sabem como chegar em seu destino através de estacionamentos subterrâneos conectados por túneis que atravessam a cidade, enquanto um usuário de metrô pega dois trens para chegar até seu destino, apenas para descobrir que ele se encontrava a uma curta distância a pé. Aqueles de nós que estão habituados ao transporte de bicicleta têm outra imagem da cidade, muitas vezes dominadas pela orla, trilhas de corredores ferroviários e parques lineares. Os arquitetos precisam levar em consideração os mapas cognitivos dos ciclistas quando analisam os terrenos, planejam ligações entre locais, e determinam onde projetar as entradas.
7. O ciclismo dissolve a dicotomia mobilidade/acesso
Uma vez que aceitamos que o meio mais rápido de transportar pessoas em uma cidade pode ser empurrado ou até montado, a dicotomia que vemos em uma cidade para carros entre a mobilidade e o acesso deixa de ter importância. Ciclovias arteriais podem também funcionar como rotas comerciais.
8. Dispersão de lojas
As pessoas caminham a uma velocidade de cerca de 3-5 quilômetros por hora e pedalam a 15-25 quilômetros por hora. Isto significa que em um bairro voltado para a bicicleta, as lojas podem estar a uma distância até cinco vezes maior umas das outras, mas não ficam tão longe se medirmos a distância em segundos. Ao invés de concentrar as atividades ao longo das avenidas, que sempre deixa de lado as ruas laterais sem qualquer vigilância passiva, as fachadas das lojas podem ser dispersadas.
9. O conceito de campode aglomeração
Alguns dos princípios anteriores - dispersar as lojas, elevar espaços compartilhados para ajudar os ciclistas a reduzirem a velocidade e descartar as velhas distinções entre rotas de acesso e mobilidade - dão origem a uma alternativa em relação à rua tradicional como base do planejamento de cidades. O plano do chão pode se tornar um campo de aglomeração. As galerias acessadas por rampas do bloco helicoidal elevado de apartamentos e as entradas de lojas solitárias que foram dispersadas, seriam encontradas nas partes mais altas. Os pedestres poderiam se mover através das passarelas e os ciclistas poderiam utilizar a área abaixo. As ciclovias nestes níveis mais baixos podem passar entre os blocos elevados, permitindo que ciclistas façam o caminho mais curto entre quaisquer dois pontos na cidade.
10. Provocar com propostas
Qual é a verdadeira lição a ser aprendida de visões provocativas como o Plano Voisin de Le Corbusier ou a Broadacre City de Frank Lloyd Wright? Se pensarmos que estas provocações são perigosas, perdemos uma verdadeira lição de história, que é a de que provocações trazem mudanças. Foi ruim nos anos 50 quando a ideia era ocupar as cidades com carros. A situação é diferente agora que as cidades precisam de consertos. Talvez, a visão de uma cidade mais adequada ao ciclismo, se atingir a imaginação do público, se torne o motor de uma mudança positiva.
O paradigma cidade-carro foi introduzido aos novaiorquinos em uma exposição chamada Futurama em sua Feira Mundial de 1939. A ideia foi de fazer as edificações altas e esbeltas para que, no nível do solo, houvesse espaço para ruas muito mais largas - a mobilidade pela mobilidade. O que resultou de tudo isto foram torres cercadas por estacionamentos e moradores com distâncias mais longe para caminhar.
A proposta é substituir duas torres por um bloco helicoidal duplo que teria rampas de acesso a todos os apartamentos. O percurso de bicicleta que percorre paralelamente a 97th Street Traverse até o Central Park se estenderia para chegar ao local. Novas ciclovias chegando até o terreno das Residências Frederic Douglas atrairiam pessoas de bicicleta da Amsterdam Ave e quadras ao norte da 104th Street. Para um número crescente de novaiorquinos que trocaram caminhar e dirigir por andar de bicicleta, o local se tornaria um portal importante entre a extensa rede de ciclovias do Central Park e no Upper West Side. Muitos ciclistas o veriam como o endereço perfeito.
Steven Fleming é um acadêmico na Universidade daTazmânia, Austrália e autor do livro Cycle Space, e do próximo livro Velotopia, que será publicado pela NAi010 Publishers em Rotterdam. Ele consulta profissionais da indústria da construção e agências do governo sobre edifícios para bicicletas. Encontre-o na internet em cycle-space.com e siga-o no Twitter @behoovingmoving